sexta-feira, 22 de julho de 2011

Bloco: Literatura Digital 62

O Alienista Caçador de Mutantes
Natália Klein

O Alienista pode é não ser considerado a melhor obra de Machado de Assis, mas é de longe uma das mais populares, se não a mais. A contar-se pelas suas diversas adaptações tanto para o cinema, teatro, quadrinhos e para a própria literatura. E uma dessas adaptações (nesse caso a literária) é assinada por Natália Klein, com o título de O Alienista Caçador de Mutantes (2010). Essa é uma versão modernizada e fantástica da novela realista de Machado de Assis. Com um humor exagerado o livro se torna mais uma paródia do que propriamente uma adaptação. É impossível não rir de muitas das piadas da autora, mesmo algumas bem infames.

Logicamente para entender as piadas é necessário conhecer a obra original. O Alienista conta a história de um médico psiquiatra, Simão Bacamarte, que cria um hospício em Itaguaí e interna nele qualquer pessoa que apresente um comportamento estranho, isso para resumir ao máximo. Nessa nova versão tudo começa com a queda de uma espaçonave que trás consigo um vírus que causa mutação nas pessoas. Simão é um médico infectologista que passa a estudar genética humana em busca de uma cura. Ele cria então a Casa Verde, onde interna esses mutantes, algo que funciona mais como o Instituto Xavier de X-Men.

Há muitos elementos da cultura pop que tornam a paródia mais engraçada, mesmo que esses elementos sejam clichês dos filmes de besteirol americano tipo Todo Mundo em Pânico. E isso é proposital, não é erro da autora, pois é exatamente essa a proposta do livro. Há referências a Star Wars; Twitter; Alf, O ETeimoso; Michael Jackson; Wolverine e outros. Mas isso de forma alguma modifica a essência da história original. Só mudam o tempo, que de passado vira presente, e o tom, que de realista vira comédia fantástica. A linguagem, o enredo, a mensagem e até alguns diálogos permanecem intactos e é isso que torna a paródia mais interessante ainda.

Voltando um pouco ainda às mudanças de Natália, que é também redatora de humor da TV Globo. Simão Bacamarte possui um comportamento masculino muito duvidoso e é apaixonado na verdade por seu amigo Crispim, o farmacêutico, mas nutre também certa admiração pelo nariz fálico de Alf. Nisso, acontecem os mesmo fatos da obra original, há uma revolta liderada pelo barbeiro, onde tomam o poder da Câmara Municipal, depois Simão Muda sua teoria e resolve prender aqueles que não têm habilidade mutante, até culminar em um final igualmente surpreendente ao texto original, ainda que de forma distinta.

O livro é divertido, curioso e interessante, ainda mais pra quem é fã da obra e de Machado de Assis. Funciona como objeto de colecionador até. Por falar em coleção, O Alienista Caçador de Mutantes (Lua de Papel, 128 pág.) faz parte de uma coleção de adaptações de clássicos da editora que o publicou. Esta coleção conta com os títulos A Escrava Isaura e O Vampiro; Senhora, A Bruxa; Dom Casmurro e Os Discos Voadores e Jane Austen, A Vampira. Essa série entra na nova onda de adaptação de clássicos para fantasia, que antes desses já contava com os títulos Orgulho e Preconceito e Zumbis e Abraham Lincoln, Caçador de Vampiros. Para os leitores mais classicistas isso é uma afronta, para aqueles mais mente aberta é uma novidade muito divertida! Vale a pena dar uma conferida.

OBS: O Alienista Caçador de Mutantes é uma cortesia da editora Lua Papel (do Grupo LeYa) para ser sorteado no Clube de Leitura: O Alienista que acontecerá amanhã.


Quem não leu o livro original, fica uma dica extra de leitura.


Machado de Assis é de longe considerado o melhor brasileiro, mesmo que alguns discordem, é assim que ele é conhecido. Sua extensa obra é marcada por duas fases da literatura brasileira, romantismo e realismo, sendo que a segunda é considerada sua melhor fase. O Alienista (1882) foi publicado originalmente no periódico A Estação sendo em seguida incluído no volume Papéis Avulsos. Trata-se de uma das duas novelas escritas por esse autor, embora haja quem o classifique como um conto longo devido a sua estrutura, mas isso é algo a se discutir, levando em conta o número de personagens da história. Bom, conto ou novela, o que importa é que essa foi uma de suas obras mais bem aceitas pela crítica. Ainda que sua obra máxima seja considerada Memórias Póstumas de Brás Cubas. Mas também há quem prefira Dom Casmurro. Isso mostra como o autor se reflete na qualidade de suas obras.

Em O Alienista (Ática, 56 pág.) conhecemos Simão Bacamarte, um médico formado na corte portuguesa e amigo de Dom João VI, que veio ao Brasil, mais precisamente a Itaguaí, para exercer seus estudos científicos. Ao se apaixonar pela psiquiatria ele resolve criar uma Casa de Orates, ou melhor dizendo, um hospício, ao qual nomeia de Casa Verde. Nela são internados todos aqueles que segundo Simão apresentam algum desvio psicológico, sendo os casos mais frequentes os de monomania. Quando quatro quintos da população é internada é que se instala o pânico e a revolta dos cidadãos de Itaguaí. Há sucessivas tomadas de poder e é então que Simão muda sua teoria e solta a todos resolvendo internar o um quinto que estava solto.

Essa mudança teórica de Bacamarte não apenas causa espanto aos habitantes da pequena cidade como também nos mostra boa parte da ironia machadiana. Ele critica não apenas o fato da constante mudança científica em que hoje estudamos algo que amanhã é diferente, como também nos faz refletir que não existe perfeição. É muito tênue a linha que divide a sanidade da loucura, sendo notórios apenas os casos extremos. Sabe o ditado “de gênio e louco, todo mundo tem um pouco”? Então se cada um que tivesse suas manias fosse taxado de louco, todos estariam internados, e é o que Bacamarte tenta, em vão, fazer. Mas será que existem pessoas perfeitas? É constatando que não, que o então doutor resolve prender aqueles que aparente o demonstrem ser. Errar é humano, e é o erro (ou a grosso modo o pecado) que vai diagnosticar o ser humano normal. Isso fica nítido quando Simão testa o senso de “justiça” das pessoas.

A trama beira o exagero e isso marca a obra como inovação do autor até então, mesmo que essa temática e estética perdurem, como é o caso das citadas Memórias Póstumas, que eu creio todos conheçam. A habilidade maior de Machado não é de fato escrever bem, já que o fazia naturalmente, mas sim prender o leitor. Quem se abstrai em sua linguagem e consegue progredir com a leitura dificilmente largará um de seus livros pela metade, pelo menos não aqueles citados aqui.

O Alienista é ainda um meio que o autor usa para abordar outros aspectos, entre eles o científico, filosófico, político e religioso de várias situações sociais que vivemos. A constante disputa pelo poder da Câmara Municipal é um exemplo forte, chega a lembrar A Revolução dos Bichos de George Orwell, quando um critica o outro, mas no seu lugar faz o mesmo ou até pior. Há uma pauta religiosa, marcada pelos personagens eclesiásticos e também por elementos e citações bíblicas, note quando ele usa o termo “hebreu” para metaforizar a diáspora, pode-se ainda fazer analogia das crônicas que contaram a história no universo narrativo ao livro bíblico homônimo.

Esse livro não é apenas leitura obrigatória para se conhecer a obra de Machado, mas é também uma experiência literária única. Impossível não ter vontade de reler. Para quem se interessar pela história é possível ainda desfrutá-la em forma de filme com um especial homônimo da Globo de 1993 e um longa-metragem chamado Azyllo Muito Louco de 1970 com direção de Nelson Pereira Santos. O livro ganhou ainda quatro adaptações para quadrinhos sendo uma delas assinada pelos gêmeos Fábio Moon e Gabril Bá, que fizeram um excelente trabalho. Há também uma adaptação para fantasia feita por Natália Klein intitulada O Alienista Caçador de Mutantes. Vale a pena conferir!

OBS: o livro O Alienista foi sorteado para ser o tema do primeiro clube de leitura de 2011 que acontecerá neste domingo 06/02. Este exemplar é ainda uma cortesia da editora Ática para sorteio no dia do encontro.


Os Textos são Originais do parceiro da Digital Rio:
Cooltural Blog de Ademar Júnior

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