Água Viva
Clarice Lispector

O livro é narrado por uma personagem anônima que o está escrevendo, ela (narradora-personagem) dialoga diretamente com seu leitor específico, ainda que em sua fala haja a intenção de não revelar seus escritos. Funciona como uma carta que está sendo escrita, ou ainda um diário que será enviado a alguém, mesmo que em determinado momento a narradora parece querer dar fim ao escrito, por estar revelando nele segredos que são só seus. A leitura é meio complicada devido a essa inconstância no sentido das orações, que se perdem uma das outras, com pouca ou nenhuma conexão entre si.
Parece que estamos lendo frases soltas e é basicamente isso a proposta do livro que é estruturado nesse automatismo surrealista. Onde a personagem que está narrando, escreve tudo aquilo que vem à sua cabeça e da forma com que chega a ela, sem alteração, sem planejamento de frases e/ou sentido e significados. As palavras surgem nos ditos “instante-já” e dessa forma são colocadas no papel, para que não se perca a essência, para que não se baseie em juízos de valor, ou impressões dogmáticas que vem da nossa cultura de formação. Só assim a autora considera como verdadeira criação, sem que se baseie por algo já preparado.
Há momentos em que esse automatismo proposto dá lugar a reflexões sobre fatos acontecidos com a narradora e aqui o texto se torna ambíguo. Nesses momentos de reflexão existencialista a narradora tenta encontrar a si mesma, seu eu interior, através da exaltação do verbo ser, que para ela é de extrema importância. Ela era uma pintora que resolve deixar as tintas para usar as palavras como instrumento de comunicação. Nessa troca ela monta seu monólogo lírico dirigindo-se a um interlocutor único e específico, trazendo consigo revelações, impressões, reflexões e referências, onde ela usa de comparações entre a pintura, a música e a poesia, que na verdade é o que é esse texto.
O conceito de arte é colocado em questão, e há ainda certas divagações da narradora que permitem identificar todo o conteúdo filosófico da obra, principalmente nesse campo existencial, onde a narradora tenta se achar, e também quando ela discute coisas cotidianas, usando isso como parâmetro para exemplificar suas divagações. O livro tem todos esses detalhes de não significação, mas flui facilmente, e essa ausência de sentido contribui para a fluência da leitura, já que não há tanta preocupação com a linearidade do que é narrado. Uma obra repleta de frases de efeito que nos faz refletir e imitar o ato automático da narradora. Recomendo!
OBS: Esse é o livro tema do Clube de Leitura do mês de Março, que por sinal acontece hoje à tarde!

Texto Original:
Cooltural Blog de Ademar Júnior
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